sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Estações de ontem e hoje: Trens do Recife antes e depois

  O antigo sistema de trens urbanos do Recife que interligava a parte central da cidade, entre a estação Central do Recife e Jaboatão, São Lourenço e Cabo. Estes trens, operados pela extinta RFFSA, necessitavam de melhorias para atender à crescente demanda de passageiros da Região Metropolitana. Veio então o sistema de metrô de superfície do Recife, com modernos trens elétricos para atender a população.
Pátio da estação Central do Recife, à época do antigo sistema
de trens urbanos. Haviam também trens para o interior do estado.
(Imagem: Retirada do site - Amantes da ferrovia)

  Na execução projeto do novo metrô, foram aproveitados os antigos traçados das linhas já existentes, tais como Recife – Jaboatão e Recife - Cajueiro Seco. A partir disso, as antigas estações do trem compreendidas nesses trechos foram substituídas pelas novas do metrô, em alguns casos foram deixadas sendo construídas as novas em suas proximidades. Isso explica de onde vieram os nomes e simbologias de algumas das estações atuais do metrô do Recife.
  Começando pela estação Recife, terminal de maior movimento do sistema, de onde partem trens para Cajueiro Seco, Camaragibe e Jaboatão; esta foi construída por trás da antiga estação Central do Recife, que desde 1972 abriga o Museu do Trem, hoje fechado para reformas e revitalização. Até alguns anos atrás, para acessar a estação Recife do Metrô, o usuário passava pelos antigos portões e plataformas da velha Central, com peças que remontam o passado honroso da ferrovia pernambucana, numa espécie de túnel do tempo. Pelo que tudo indica, o velho prédio não servirá mais como acesso, mas por outro lado ficará um museu bem mais atrativo do que o era , para contar de uma melhor forma a história dos caminhos de ferro do estado.
Na foto tirada a partir de uma locomotiva a vapor, vê-se o posto
de Fernandinho em dia de cheia no fim da década de 1960.
(Imagem: José Calvino -
Do Livro: Trem fantasma. José Calvino, 2005)
  Seguindo a linha vem a estação Joana Bezerra, que é uma das mais movimentadas de todo o sistema, pois dela parte a bifurcação da linha, seguindo um lado para Cajueiro Seco e o outro para Camaragibe / Jaboatão. Na época dos velhos trens, Joana Bezerra já tinha bastante movimento e inclusive já havia a atual bifurcação, mas o nome da estação era Fernandinho (ou Coque, como chamavam alguns, pela proximidade com a comunidade de mesmo nome), que na verdade nem era uma estação propriamente dita, e sim um posto de controle dos trens que circulavam indo ou vindo pelas duas linhas da bifurcação.

Pictograma da estação Ipiranga do METROREC
  Ipiranga também era uma antiga estação. Interessante observar no símbolo da estação no sistema do metrô, que há a imagem de um chefe de estação. Além desta, substituída pela atual, existem ainda uma vila ferroviária (para os trabalhadores da ferrovia), casa do chefe da antiga estação, o antigo Colégio Ferroviário do Recife, construído pela Great Western destinada principalmente para filhos dos ferroviários, e, por fim o campo do Clube Ferroviário do Recife, inicialmente Associação Atlética Great Western, que inclusive disputou várias vezes o Campeonato Pernambucano de Futebol. 

  A atual Werneck para muitos tem um nome curioso. De fato, ao contrário da maioria, não tem um nome relacionado ao bairro no qual se localiza ou cidade, etc. Mas, até 1925 a estação chamava-se Areias (nome do bairro) onde localiza-se.
Estação de Edgard Werneck, anterior à atual do metrô. (Imagem:
Do site - Amantes da Ferrovia)
Construída no início do séc. XX, a antiga estação de Areias ficou com este nome até 1925 quando recebeu este nome, do engenheiro Edgard Werneck, carioca contratado pela Great Western (companhia detentora da concessão das ferrovias pernambucanas à época) para investigar os desfalques que estavam ocorrendo na empresa. Werneck estava descobrindo já muitas coisas relacionadas ao fato, o que serviu de motivo para que os responsáveis pelos desfalques matassem-no no dia 08 de Junho de 1925, atirando nele nas escadarias da estação Areias, vindo daí a homenagem póstuma ao engenheiro.
  Tejipió e Coqueiral também eram antigas estações do trem.  Esta última foi construída em 1906 pela Great Western, próximo ao recém construído desvio para Camaragibe, inclusive com a chegada do metrô, Coqueiral continuou sendo a estação da bifurcação da linha para Camaragibe ou Jaboatão.
 Seguindo para Jaboatão, havia a velha estação ferroviária de Floriano, no bairro jaboatonense de Socorro. Hoje, no local da antiga estação, foi erguida a do metrô, mas, ao lado desta, encontra-se a plataforma de embarque construída em substituição à antiga Floriano. Isso pelo fato de, enquanto a via do metrô estava em construção, precisava-se de alguma forma construir uma parada para o trem que seguia com destino a Jaboatão de modo a continuar atendendo a grande demanda de passageiros entre essa cidade e o Recife.
Prédio dos escritórios da Great Western e do relógio
 de Jaboatão sendo demolido na década de 1980.
(Imagem: Retirada do vídeo "Saudade daferrovia em Jaboatão-PE"
http://www.youtube.com/watch?v=Ka3QMK2Akf0)
  Jaboatão, estação terminal do metrô, tem forte relação com a antiga ferrovia. A estação do metrô fica justamente entre as antigas oficinas ferroviárias construídas pela Great Western em 1912 e a velha estação ferroviária, que ainda existe mas em ruínas. As oficinas estão sendo recuperadas pelo SENAI e se transformarão em parte museu e noutra parte salas de aula. Onde foi erguido o prédio da estação do metrô, ficava localizado o prédio dos escritórios da Great Western e posteriormente RFN e RFFSA.
Pictograma da estação Jaboatão do
METROREC
Este prédio possuía três pavimentos, sendo que o central se elevava além dos demais, havendo em seu topo uma torre onde ficava um relógio do tempo dos ingleses, que permaneceu ali durante cerca de 80 anos e o mesmo era de grande representatividade para o povo jaboatonense, uma vez que muitos baseavam seus horários nos ponteiros deste relógio. Contudo, este grandioso prédio foi demolido na década de 1980 para construção da estação de Jaboatão do metrô. Em substituição foi construída pelo METROREC uma torre para o relógio que nunca chegou a ser usada e nunca veio a substituir a beleza e representatividade da antiga construção, que por sua vez foi implodida podendo ter sido aproveitada para receber os novos trens, mas essa ótima opção foi descartada. Hoje, no sistema do metrô, o símbolo representativo da estação de Jaboatão é justamente a pintura do antigo prédio do relógio.

Antiga estação ferroviária de Boa Viagem.
(Imagem: Do site do SINDMETRO-PE)
  A Linha Sul do metrô, que segue para Cajueiro Seco também aproveitou o antigo leito da ferrovia, porém desta vez os trilhos do trem foram apenas afastados para o lado, uma vez que estes dão acesso ao pátio ferroviário de Cinco Pontas, ainda utilizado pela CBTU e pela Transnordestina Logística (ex-CFN). A partir da bifurcação de Joana Bezerra a Linha Sul do metrô passa sobre a rua Imperial e a Avenida Sul por viadutos. Da mesma forma havia a linha do trem, inclusive as estruturas dos velhos viadutos ainda existem nas laterais da Avenida Sul. As atuais estações de Prazeres e Boa Viagem também tomaram o espaço das antigas de mesmo nome.

Antiga estação ferroviária de Prazeres.
(Imagem: Do site - Amantes da ferrovia)

  Para finalizar esta viagem em paralelo com o metrô e os velhos trens urbanos do Recife, convém destacar a estação ferroviária do Cabo de Santo Agostinho, que nunca sofreu alterações substanciais em sua estrutura e permanece original e com operação ininterrupta desde o ano de 1858, quando foi inaugurada, sendo assim a mais antiga estação ferroviária do Brasil em funcionamento.
  

domingo, 21 de julho de 2013

Caminhada pela preservação e memória da ferrovia

  No Sábado, 20 de Julho de 2013, realizou-se a primeira caminhada "Nos trilhos da história" pela ONG Movimento Nacional Amigos do Trem em parceria com o Projeto Memória Ferroviária de Pernambuco e apoio da Associação Pernambucana de Ferreomodelismo e Preservação Ferroviária (APEFE). O evento ocorreu entre a estação ferroviária do Cabo de Santo Agostinho-PE (estação mais antiga do Brasil em funcionamento) e o Túnel do Pavão (primeiro túnel ferroviário do Brasil), num percurso de 4,5 km atravessando  um trecho de transição entre a área urbana e a paisagem da mata atlântica.
Grupo reunido na hora da partida, nas escadas da estação do Cabo. (Foto: Acervo pessoal - 20/07/13)
                   
   O evento, com partida programada para as 08h00min teve alguns contratempos e veio começar às 08h40min, fato que não implicou na má realização do evento, que correu muito bem por sinal.
  Participaram do evento 25 pessoas entre crianças, adultos e adolescentes.
  Após cerca de duas horas de caminhada o grupo alcançou o Túnel do Pavão. Durante o percurso houveram momentos de parada para apreciação da paisagem local, formada por belos trechos de mata, canaviais e nascentes, contrastadas com os trilhos da antiga linha sul de Pernambuco e seus pontilhões. Infelizmente há trechos em que ocorre incidência de desrespeito ao meio ambiente, com lixo jogado à beira da mata e dentro de riachos e córregos. Há também, lastimavelmente, trechos em que os trilhos encontram-se cobertos de lixo, fora que a linha já mostra vários sinais de abandono, algo absurdo, pois trata-se da segunda ferrovia aberta no Brasil e a primeira do estado de Pernambuco e que deveria num mínimo estar sendo operada por um trem de turismo, e até por trens regulares de passageiros, ou cargueiros.
  Antes de chegar ao ponto final, passou-se pela plataforma da antiga parada de Charneca, tomada pelo lixo e pelo mato.
  Ao fim da caminhada, os participantes se manifestaram positivamente a respeito da mesma e que estão dispostos a fazer outras.
  O evento, realizado em prol  da memória da ferrovia e pelo retorno dos trens de passageiros, ocorreu com sucesso e ficou como um marco na luta pela valorização de nossos trilhos, que fazem parte de nossa história e de nossa identidade.
Faixas em frente à estação do Cabo (Imagem: Acervo pessoal - 20/07/13)  

Caminhantes em belo trecho da ferrovia. (Imagem: Acervo pessoal - 20/07/13)

Limpas águas em riacho que passa sob a ferrovia. (Imagem: Acervo pessoal - 20/07/13)

Chegando ao túnel. (Imagem: Acervo pessoal - 20/07/13)

Grupo próximo ao túnel. (Imagem: Acervo pessoal - 20/07/13)

Exibindo as faixas sobre a entrada do túnel (Imagem: Arquivo pessoal - 20/07/13)


O grupo que participou da 1ª caminhada Nos trilhos da História, na boca do Túnel do Pavão. (Imagem: Esdras Monteiro - 20/07/13)

terça-feira, 25 de junho de 2013

Breve histórico das ferrovias pernambucanas


  O estado de Pernambuco foi o primeiro do Nordeste e segundo do Brasil a possuir uma ferrovia. O primeiro trecho ferroviário de nosso estado foi inaugurado em 1858, mais precisamente a 8 de Fevereiro de 1858, entre as estações de Cinco Pontas (no Recife) e a estação ferroviária da Vila do Cabo (esta até hoje existente e em uso desde sua inauguração há 155 anos). Era este o trecho inicial da Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco que tinha o propósito inicial de ligar a capital pernambucana à cachoeira de Paulo Afonso do rio São Francisco.
Estação Ferroviária do Cabo. (Foto: Arquivo pessoal - 2009)

  A partir daí surgiram outros caminhos de ferro que facilitaram muito a ligação entre o interior e o litoral do estado. Enquanto a E. F. Recife ao São Francisco era prolongada, atingindo Una (atual Palmares) em 1862, Catende (1882) e Garanhuns (1887), era criada na Inglaterra no ano de 1872 a The Great Western of Brazil Railway Company que ganhara do Império Brasileiro a concessão de explorar uma ferrovia no estado de Pernambuco, ligando Recife a Limoeiro. Em 1879 foi lançada a pedra fundamental desta ferrovia, sendo inaugurada em 1882. Neste mesmo ano, a Estrada de Ferro Central de Pernambuco, que tinha a proposta de ligar a capital pernambucana ao Agreste, iniciara suas obras de construção, inaugurando seu primeiro trecho entre a estação Central do Recife e Jaboatão em 1885.
  No início do século XX, com a proposta de unificação da rede, a Great Western assumiu a concessão das demais ferrovias pernambucanas. Daí nossas ferrovias ficaram organizadas da seguinte forma:
Linha Centro: Antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco, partindo da estação Central com direção ao Sertão, passando pela região central do estado.
Linha Norte: Partindo da estação do Brum, no Recife, cortando a Zona da Mata Norte do estado e se ligando com o estado da Paraíba, com ramal de Carpina a Limoeiro (posteriormente prolongado a Bom Jardim).
Linha Sul: Antiga Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco, partindo da estação de Cinco Pontas, cruzando a Zona da Mata Sul e se ligando com o estado de Alagoas, possuindo ramais para Garanhuns, Barreiros e Cortês.
Estação Ferroviária do Brum. (Foto: Arquivo pessoal - 2009)

  Em 1934 foi centralizada para a Estação Central do Recife, a partida de todos os trens que saiam da capital pernambucana. Em 1937, era inaugurada a estação terminal de Bom Jardim do prolongamento do Ramal Limoeiro – Carpina. Neste mesmo ano, a Linha Centro atingia o município de Sertânia.
  Em 1950, foi criada a Rede Ferroviária do Nordeste (RFN) para abranger as ferrovias oriunda da Great Western extinta neste ano. Esta companhia iniciou o processo de “diselização (mudança de tração a vapor dos trens, para diesel)” das ferrovias pernambucanas, com a aquisição em 1954 de 13 locomotivas diesel-elétricas, as English Electric, das quais o último exemplar foi salvo e está no Museu do Trem do Recife.

Estação Ferroviária de Sanharó, na Linha Centro
(Foto: Arquivo pessoal - Jan, 2009).
Em 1957, devido ao crescente número de estatizações das ferrovias por todo o país, foi criada a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), que abrangeu também a RFN que ficou como subdivisão da RFFSA.
  Na década de 1960 foi concluído o último trecho da Linha Centro, com a inauguração da estação terminal de Salgueiro; também nessa mesma época a RFFSA lançou um programa de erradicação de ramais antieconômicos que condenou vários ramais ferroviários pelo Brasil. Infelizmente, ramais pernambucanos não ficaram de fora e em 1968 o Ramal de Bom Jardim, já sem uso desde 1963 por conta de uma cheia que havia desaterrado os trilhos em um trecho, foi oficialmente erradicado; em 1970 foi a vez do Ramal de Cortês, em 1971 o Ramal de Garanhuns e no fim da década de 1980, o Ramal de Barreiros.
  No início da década de 1980,a estação Central do Recife foi desativada para a construção da via do Metrô do Recife. Foi então construída para assumir o papel da antiga Central, no local onde ficava a antiga estação de Cinco Pontas (demolida em 1969 para construção do viaduto de Cinco Pontas sobre a Avenida Sul, no Recife), uma “nova” estação Cinco Pontas.
  A década de 1980 também foi marcada pela desativação dos trens de passageiros de longo percurso entre nas Linhas Norte, Sul e Centro. Na década de 1990, foi a vez dos trens cargueiros da RFFSA que circulavam nessas linhas.
Início do pátio de manobras da estação ferroviária
de Ribeirão, na Linha Sul (Foto: Arquivo pessoal - Jan, 2013)

  Em 1998, as ferrovias pernambucanas foram privatizadas, assumindo sua concessão a CFN (Companhia Ferroviária do Nordeste).
  Hoje, o atual quadro do patrimônio ferroviário de Pernambuco é triste: estações abandonadas e arruinadas por todas as linhas, roubo de trilhos e invasões na Linha Centro (sem uso desde 2001, quando circulou o último Trem do Forró de Caruaru, último a utilizar a linha). Por outro lado algumas estações foram salvas por iniciativas municipais que contribuíram muito dessa forma para a preservação da memória da ferrovia pernambucana, sendo transformadas em centros culturais, museus, bibliotecas e são pontos turísticos das cidades que realizaram essa elogiável atitude.

CURIOSIDADES
A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DO CABO-PE, EM USO PELA CBTU, É A MAIS ANTIGA DO BRASIL AINDA EM FUNCIONAMENTO.
O TÚNEL DO PAVÃO, A ALGUNS QUILÔMETROS DA ESTAÇÃO DO CABO, É O MAIS ANTIGO DO BRASIL.
O TRECHO DA LINHA CENTRO ENTRE RECIFE E GRAVATÁ É TOMBADO PELA FUNDARPE.

Referências:
Pinto, Estevão – História de uma estrada de ferro do Nordeste, Editora Livraria José Olimpyo, 1949.
Côrtes, Eduardo - Da Great Western ao metrô do Recife, Editora Persona, 2004.
Estações Ferroviárias do Brasil – www.estacoesferroviarias.com.br

Para saber mais sobre a história da ferrovia em Pernambuco, fale conosco através do e-mail:
mfpe1858@hotmail.com
ou por meio de nossa página no Facebook:

https://www.facebook.com/ProjetoMemoriaFerroviariaDePernambuco

sexta-feira, 29 de março de 2013

Os "trens de água" na memória de nossas ferrovias


  Mais uma vez as secas castigam o Nordeste. Isso não é dos últimos anos, logicamente, pois os longos tempos de estiagem já constituem a natureza do semi-árido nordestino, contudo vêm se agravando em consequência das agreções ao Meio Ambiente. Projetos são elaborados pelos governantes para lidar com o problema das secas, mas a mesma continua causando sérios prejuízos.
  Em várias épocas o povo pôde contar com as ferrovias para minimizar a falta de água; casos desse tipo aconteceram há não muito tempo atrás aqui em Pernambuco. No fim dos anos 90, a região Nordeste enfrentou mais uma longa estiagem que decorreu no esgotamento de importantes reservatórios para cidades do Agreste e Sertão pernambucanos, como foi o caso de Gravatá e Bezerros. Leia a notícia de março de 1999 do Jornal do Commércio, com o título “Trem alivia a seca em Bezerros”:

  “Atingindo a terceira semana sem água nas torneiras, o município de Bezerros aguarda, a partir das 9h de hoje, um trem com oito vagões transportando 300 mil litros d'água dos poços de Suape, no Grande Recife. Enviada
Trem de água sendo formado em Cinco Pontas, no Recife,
no fim dos anos 90.(Imagem: Recorte de jornal -
Acervo de Emmanoel Lucas).
em caráter emergencial pelo Governo do Estado, ontem à tarde, da Estação das Cinco Pontas, a carga atende um pedido de socorro do prefeito Lucas Cardoso (PFL) feito semana passada, quando o município chegou ao colapso total devido ao estado da Barragem de Brejão, considerada tecnicamente seca pela Compesa.
  "Não entendemos como é que não fomos informados há mais tempo sobre o estado da barragem nem passamos por qualquer tipo de racionamento pela Compesa antes de ficarmos, de repente, sem água desse jeito", desabafou Cardoso. O presidente da empresa, Gustavo Sampaio, esclareceu que a maioria dos 241 sistemas operados pela Compesa no Estado sofreram algum tipo de racionamento. "O problema é que a água de Brejão foi muito usada por carros-pipa da Compesa, Emater (atual Ebape) e das prefeituras para abastecer cidades próximas, como Gravatá, acelerando o colapso da barragem", explicou.
  Ainda assim, o secretário estadual de Infra-estrutura, Fernando Dueire, anunciou a conclusão, a partir de hoje, de obras urgentes para captação da água ainda disponível em fossos da barragem, através de bombas de alta pressão e 400 metros de linha de transmissão da Celpe, para a rede de abastecimento de Bezerros.                                        "Continuaremos enviando o trem semanalmente com o mesmo volume enquanto permanecer a seca na cidade", acrescentou Dueire. Outra cidade em colapso que também vai continuar sendo abastecida por trem é Gravatá, que já recebeu 500 mil litros de Suape.” (17 de Março de 1999)
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  Hoje, infelizmente, devido ao relaxamento proposital e a falta de planejamentos sérios de nossos governantes, cidades como as citadas na notícia não podem contar com o trem na luta contra a seca. A Linha Centro de Pernambuco, que liga Recife a Salgueiro encontra-se abandonada. Foi por meio da mesma que vários trens de água socorreram cidades do semi-árido pernambucano. Hoje, a mesma encontra-se sucateada, com seu leito invadido, inclusive até possivelmente por pessoas que se utilizaram do trem e da água transportada por meio do mesmo. Trilhos roubados ou aterrados completam a triste realidade de uma ferrovia que poderia estar sendo usada mais uma vez nessa estiagem (e não só com esse próposito).
  Com o envio de trens de água, os efeitos da seca poderiam ser minimizados. Fica a pergunta: Em meio a tanto progresso, o benefício das ferrovias em nosso estado pode ser simplesmente substituído pela implementação de mais e mais rodovias? A resposta logicamente é não. Podemos utilizar como exemplo os próprios trens de água: Em uma viagem, com apenas 8 vagões transportou 300 mil litros de água; fazendo a divisão, equivale a 37,5 mil litros por vagão. Caminhões pipa possuem capacidades variadas podendo até alcançar os 30 mil litros; um caminhão bi-trem, no entanto, poderia alcançar por volta de 60 mil litros de capacidade, o que é vertiginosamente inferior ao que pode ser transportado por meio da ferrovia em apenas uma viagem, sem falar ainda que o trem não enfrenta engarrafamentos e reduz as fontes de poluição, sendo ecologicamente bem mais correto. Veja:

Trem de água (com 8 vagões)   X   Caminhão pipa bi-trem
Sem engarrafamentos                          Possibilidade de engarrafamentos
300 mil litros (uma viagem)                  Aprox. 60 mil litros (uma viagem)

  Uma vez que por rodovia, a capacidade de transporte por viagem é bem mais reduzida com relação a ferrovia, seriam necessários mais 5 viagens ou cinco veículos, em outras palavras, 5 fontes de poluição de ar (e aumento de tráfego nas rodovias) para transportar os 300 mil litros do trem.
  Cidades como Sanharó, “Terra do leite e do queijo”, que tem sua economia baseada na agropecuária e hoje tem boa parte de seus rebanhos dizimados por conta da falta de água, poderia estar com tais impactos bastante reduzidos se estivesse recebendo um trem de água.
  Esse é nosso pais, onde se prefere o politicamente vantajoso ao invés do social e ambientalmente correto. Onde estão nossos trens de passageiros, que transportaram milhares de pessoas, para o Agreste, Sertão, Zona da Mata e outros estados? Onde estão nossos trens de água num momento difícil como esses, que traziam água até o centro das cidades afetadas pelas secas? Enfim, onde está a memória de nossos caminhos de ferro? 
Recorte de jornal mostrando a manchete da utilização dos serviços da ferrovia pela Compesa em Pernambuco. (Imagem: Acervo de Emmanoel Lucas).
Estação ferroviária de Sanharó, na Linha Centro. Esta é uma das cidades que mais está sofrendo com os efeitos da seca. (Imagem: Acervo pessoal - Janeiro de 2009).

Outros estados do Nordeste também utilizaram trens de água. Na imagem vê-se uma composição da RFFSA no pátio de Lajes, no Rio Grande do Norte, em fins da década de 80. (Imagem: cabuginoticia.blogspot.com)

Multidão se aproxima do trem de água da RFFSA, no município de Lajes-RN. (Imagem:  cabuginoticia.blogspot.com)

Trem de água da RFFSA na Paraíba, nos anos 90 (Imagem: Acervo Josélio Carneiro).

quarta-feira, 6 de março de 2013

O Ramal de Cortês (Ribeirão a Cortês)



   Neste início de 2013, o Projeto Memória Ferroviária de Pernambuco foi conhecer o que restou do antigo Ramal de Cortês, que partia da estação de Ribeirão (Linha Sul) com destino à cidade de Cortês.
  O mesmo possuía aproximadamente 29 km de extensão. Segundo o site "Estações Ferroviárias do Brasil" (http://www.estacoesferroviarias.com.br/pernambuco/cortez.htm) o Ramal já existia desde o fim do século XIX, porém em Julho de 1907 foi arrendado a Great Western que teve de fazer uma recuperação da linha. Ainda segundo este site, o objetivo inicial da construção desse ramal seria o de ligar Ribeirão a Pesqueira, o que nunca ocorreu. Estevão Pinto, em seu livro "História de uma estrada de ferro do Nordeste" (1949) cita que o ramal foi arrendado à Great Western que ficou obrigada a recuperar a via permanente do mesmo e de prolongá-lo até a cidade de Bonito; a recuperação ocorreu, porém a linha nunca passou de Cortês, não chegando a Bonito.
  A primeira estação ao partir de Ribeirão era José Mariano, no povoado de mesmo nome originado a partir da Usina Caxangá. Hoje já não existe mais. Moradores locais nos indicaram onde se localizava a velha estação e também citaram a existência de restos de uma ponte alguns metros à frente.
  Ao contrário de José Mariano, Progresso, a estação seguinte continua de pé e serve de moradia. Apesar de ter sofrido algumas modificações ainda guarda boa parte dos traços de sua arquitetura original. Uma de suas moradoras nos informou que até há algum tempo atrás ainda podia se ver o dístico da estação com a palavra "Progresso", porém o prédio passou por reformas e as paredes foram rebaixadas, perdendo-se os dísticos.
  Alguns metros à frente da estação Progresso existem restos de uma ponte da extinta linha. À beira de um límpido riacho estão as cabeceiras da ponte, construídas com blocos de pedra. A paisagem do local é realmente uma maravilha!
  A parada de Macacos seria a próxima estação da linha, porém, segundo moradores locais não existe mais nada da mesma. Seguimos então para a estação Linda Flor, onde também fomos bem recebidos e conhecemos seu Horácio, 74 anos, atual dono do prédio da estação que nos contou um pouco sobre o Ramal de Cortês quando ainda funcionava: " Eu morava aqui, tinha cinco casas aqui (de frente para estação) e eu pegava trem nesta estação para Ribeirão... estou com 74 anos. O trem passava aqui de cinco horas da manhã, ia pra Ribeirão; no dia de hoje (sábado) ele só vinha de noite (para Cortês). Agora no dia de Domingo era que de duas e meia ele vinha voltando."
  A estação de Linda Flor encontra-se muito bem preservada. Dona Lúcia, vizinha da estação, nos mostrou algumas cédulas antigas e moedas que guarda. Ela falou ter encontrado tudo perto da estação, tendo sido possivelmente do tempo em que a ferrovia era ativa.
  Pegamos a estrada e fomos em direção a penúltima estação da linha, Ilha de Flores. Esta, por sua vez, localiza-se dentro dos terenos da Usina Pedroza. Seu prédio serve à comunidade local e encontra-se muito bem preservado, guardando praticamente todas suas características originais, desde a plataforma à cobertura da área de embarque. A velha usina, desde o tempo em que o trem cruzava a estação de Ilha de Flores, continua a todo vapor.
  Seguimos até Cortês, estação terminal da linha. Esta, preservada pela prefeitura local, mantém seus traços originais e está em bom estado de conservação. Localizado na área central da cidade, este velho prédio guarda a memória do trem que fazia a ligação entre Ribeirão e Cortês.

 Confira as imagens feitas pelo MFPE do Ramal de Cortês

Local da estação José Mariano. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Área de embarque da estação Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Visão lateral da estação Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Restos de uma ponte da linha, alguns metros após a estação de Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).
Detalhes de uma das cabeceiras, construída com blocos de pedra. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Linda Flor. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Vista de onde ficava o pátio da estação Linda Flor. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Seu Horácio, proprietário da estação Linda Flor guarda os últimos vestígios da extinta linha, tais como pregos de fixação, restos de trilho e talas de junção. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Tala de junção da velha ferrovia. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).


Dístico da estação de Ilha de Flores. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Vista da área de embarque da estação Ilha de Flores. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Ilha de Flores anexada à uma construção mais recente. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Vista da plataforma da estação Ilha de Flores. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação de Cortês. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Cortês. Notar no dístico da estação a grafia primitiva "Cortez". (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação de Cortês no centro da cidade. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Cobertura da área de embarque da estação ferroviária de Cortês, desativada desde o início da década de 1970. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Estação Ferroviária de Aripibú: Uma história de preservação



   Localizado na Zona da Mata Sul às margens do rio Aripibú, no município de Ribeirão-PE, o povoado de Aripibú tem suas origens em meados do século XIX. No ano de 1862, mais precisamente a 13 de Maio, a Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco inaugurava uma estação ferroviária no local. A ligação por via férrea com a capital e os bons solos foram alguns dos fatores que decorreram na fundação de uma usina de álcool e açúcar no povoado no ano de 1888, a Usina Aripibú. Esta, por sua vez, chegou a possuir uma ferrovia particular de 60 km, cinco locomotivas e 125 vagões com capacidade para três toneladas, cada, além de uma ampla vila operária.
  O tráfego na estação ferroviária de Aripibú, era relativamente forte, pois na mesma eram embarcados e desembarcados passageiros e produtos da Usina.
  A estação foi parcialmente desativada na década de 1970, quando seu último chefe, Deolindo Sobral, passou a ser fiscal de trens. A estação ainda servia como parada dos trens que vinham de Frexeiras a Ribeirão e sentido contrário, porém sem a venda de bilhetes. Alguns anos mais tarde, seu Deolindo faleceu, deixando a morar na estação sua esposa, dona Gercina, e sete filhos. A RFFSA, no entanto quis demolir a estação já que seu funcionário não morava mais lá. Dona Gercina então foi junto aos chefes da Rede intervir para que isto não ocorresse. Segundo ela, os mesmos consultaram-na em seguida com relação a quais partes da antiga estação ela utilizava; ela respondeu que apenas o prédio principal, daí foi demolido apenas o armazém  de cargas, restando o prédio de embarque e desembarque de passageiros.
  Hoje, a pequena estação de Aripibú pode ser considerada uma raridade, uma vez que muitas outras estações pelo estado não tiveram a mesma sorte e vieram abaixo. Isso deve então explicar o que ocorreu com outras estações tais como Russinha, Ipanema e outras de menor porte: foram parcialmente desativadas e demolidas pela RFFSA, talvez simplesmente por não estarem em uso, ou até para não se cogitar reativações. De qualquer forma, é um verdadeiro crime demolir prédios com tanta história como esses.
  O Projeto Memória Ferroviária de Pernambuco visitou o povoado de Aripibú para registrar a pequena estação ferroviária e lá fomos muito bem recebidos por Ane Sobral e sua mãe, dona Gercina que nos ofertou um relato de ouro de sua vida como esposa do chefe da estação. Ela contou que antes de se casar com seu Deolindo, vinha vê-lo de trem já que ele morava na estação e ela no centro de Ribeirão. Posteriormente ele se casaram e tiveram sete filhos, todos criados à beira da via férrea. Graças a ela tivemos a oportunidade de alcançar ainda de pé a velha estação. Também falou do movimento de trens que era intenso décadas atrás, tanto de passageiros como de cargas, citando um tipo de locomotiva que cruzava o local apelidada pelos habitantes da região de "Três rolos"; possivelmente esse apelido se referia às enormes locomotivas Garrat (o último exemplar desta locomotiva encontra-se no Museu do Trem, localizado na antiga Estação Central do Recife).
  Hoje só raros autos de linha da Transnordestina Logística cruzam o local; há muito tempo não se vêem os trens de carga. Há boatos de um projeto de reativação de um trem de passageiros entre a estação do Cabo, na Região Metropolitana do Recife, e a estação de Ribeirão, o que traria de volta o movimento de passageiros à plataforma da estação de Aripibú. Durante nossa visita, conversamos com outras pessoas no povoado sobre isso e todos se mostraram a favor, alegando que é uma melhor opção de transporte para os muitos que se deslocam de Ribeirão para o Cabo para trabalhar e que daria uma animada no povoado, sendo enfim algo muito bom para eles.
 
  EPISÓDIO INTERESSANTE OCORRIDO ENTRE RIBEIRÃO E ARIPIBÚ

Dona Sebastiana, 84 anos.
  Dona Sebastiana Maria Cardoso (avó do autor), 84 anos, conta que por volta da década de 1940 morava com sua irmã no município de Barra de Guabiraba e estava se mudando para Aripibú, pois seu cunhado José Paulino iria trabalhar cortando cana para a Usina deste local. Então partiram, ela, sua irmã Anunciada grávida e as filhas desta - Maria e Amara e José Paulino. Apanharam o trem na estação ferroviária de Cortês, a mais próxima da sua antiga casa, e seguiram viagem.
  Ao parar na estação de Ribeirão, José Paulino desceu do trem para comprar um café para a sua esposa, Anunciada. Enquanto o mesmo estava a pegar seu troco, o trem soltou o apito da partida. José, desesperado correu para a plataforma a fim de alcançar o trem, mas não teve jeito.
  Quando dona Sebastiana, sua irmã e as filhas desta desceram em Aripibú, sentaram nos bancos da estação  e ficaram aguardando José Paulino que havia ficado para trás. Um tempo após o desembarque, o trem já havia seguido viagem para Recife, e eis que alguém aponta no fim da reta... era José Paulino, correndo aflito que estava chegando, chorando, achando que havia perdido sua família. Em pouco tempo ele fez os 8 km que separam as estações de Aripibú e Ribeirão.
  Após o reencontro bastante inusitado todos seguiram para sua nova casa.

Abaixo, fotos da estação ferroviária de Aripibú.

Galpões da velha Usina Aripibú. (Foto Arquivo pessoal, Janeiro de 2013).

A Usina Aripibú e a capelinha da mesma . (Foto: Arquivo pessoal, Janeiro de 2013).

O rio Aripibú. (Foto: Arquivo pessoal, Janeiro de 2013).

A plataforma da estação ferroviária de Aripibú. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação ferroviária de Aripibú, inaugurada a 13 de Maio de 1862. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Ainda pode-se notar o velho dístico da estação numa de suas paredes. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Os trilhos da Linha Sul de Pernambuco e a velha estação de Aripibú. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

A parte de trás da estação. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Perfil da vila operária da Usina Aripibú. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).